O Instituto Dirceu Carneiro, constituído em 24 de junho de 2007, é uma pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, e duração por tempo indeterminado, com sede no município de Lages, Estado de Santa Catarina.

A instituição nasceu no intento de preservar, organizar e difundir o acervo relativo à atuação política do casal Dirceu Carneiro e Terezinha Fornari Carneiro, partindo desse para a contribuição no desenvolvimento de ações públicas com participação popular e responsabilidade sócio-ambiental, tendo dentre suas finalidades (de acordo com a Lei 9.790/99, art.3°):

* Promoção de ações de interesse público que organizem e incentivem a participação popular da sociedade civil;

* Defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável;

* Experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;

* Desenvolvimento de políticas públicas relacionadas à habitação, educação e cultura;

* Organização e execução de projetos e programas sociais;

* Formação de acervos complementares;

* Promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico;

* Promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;

* Promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais.

Além disso, pretende-se criar um ambiente para discussão e divulgação dos diversos trabalhos realizados pela EQUIPE DIRCEU CARNEIRO no município de Lages, no período da administração A FORÇA DO POVO.

Sendo assim, apresentamos o prefácio da Publicação A FORÇA DO POVO, de Márcio Moreira Alves, escrito por Maurício Tragtenberg.

DIRETORIA DO INSTITUTO DIRCEU CARNEIRO

A Força do Povo é o relato de práticas populares, onde o povo “tomou a palavra”. Onde Dirceu Carneiro (eleito prefeito de Lages (SC) em 1976, pelo MDB) e sua equipe atuam como “animadores sociais”, procurando conscientizar o povo da força que tem e não conhece, de sua capacidade construtiva, afinal, da idéia de que tudo é construído pelo trabalho.

Num país acostumado à bajulação dos tecnocratas que detêm o poder sobre a população e a ela não prestam conta dos desmandos cometidos em seu nome; onde a História é a história das elites ou de seus homens representativos, onde é cultivada a ideologia da “nulidade popular”, base da dominação tecnocrática, Lages aponta uma alternativa.

Não se pode fazer pelo povo sem o povo, da mesma forma prega no vazio quem utiliza o conceito povo em épocas rituais, nas datas nacionais, em inaugurações de obras públicas por politiqueiros ávidos de poder, que falam de povo mas badalam a elite.

Em Lages a democracia deixou de ser um ritual com conivência popular, uma frase oca onde políticos profissionais procuram suporte para suas ambições pessoais e de classe.

Lages realiza uma prática democrática fundada num estilo administrativo em que a mobilização popular e a participação direta do povo, dos diretamente interessados nas decisões, constituem a característica fundamental.

Nosso país cultivou nesses últimos 16 anos a “ditadura científica” de economistas tecnocratas, que viabilizaram uma inflação de 110% ao ano, e privilegiou as decisões de gabinete como as mais “sábias” (veja-se Jari, Ponte Rio-Niterói, Transamazônica, ações da Vale do Rio Doce). A Equipe Dirceu Carneiro em Lages, Santa Catarina, rompeu com essa mistificação, ao estimular A Força do Povo como a base da ação social.

A auto-organização popular é o fundamento dessa prática administrativa, social e política. Ela reverteu o centro de decisões: não são burocratas mordômicos que decidem sem o povo o que é melhor para ele, é o povo organizado que “toma a palavra” através do trabalho e de suas associações de moradores de bairros urbanos, de núcleos agrícolas e de distritos.

"Lages desenvolve uma democracia participativa e uma economia ecológica".

O animador dessa prática, Dirceu Carneiro, antigo líder secundarista, ex-presidente do Centro Acadêmico da Faculdade de Arquitetura de Porto Alegre, fora vice-prefeito de Juarez Furtado, um prefeito preocupado com a zona urbana e obras que dessem na vista, além de freqüentar bailes e batizados.

Dirceu Carneiro e sua equipe preocuparam-se com alternativas para a agricultura, fora do esquema tradicional das variedades de trigo e arroz que as multinacionais inventaram para vender seus adubos e promover o processo de concentração da propriedade da terra.

Promoveu um programa agrícola fundado no aproveitamento intensivo da mão-de-obra e da terra. Valorizou a pequena propriedade, incentivando a formação de cooperativas e a utilização de recursos locais, como fatores de produção. Incentiva o associativismo, isto é, a associação de moradores de bairros urbanos; a formação de núcleos agrícolas e núcleos de distrito.

No âmbito da rede escolar municipal, incentivou a participação dos pais de alunos nas escolas.

Em lugar do individualismo, promoveu o comunitarismo social; em Lages, quem não está organizado em associação, núcleo ou distrito não tem acesso aos serviços e equipamentos coletivos.

O povo “toma a palavra”, quando se trata de calçamento de ruas. Após discussão e votação, a população do bairro define as prioridades a que deve obedecer o calçamento, que é feito com lajotas de cimento em vez de asfalto, fugindo assim à dependência do petróleo.

Como os bons exemplos vêm “de cima”, a equipe Dirceu Carneiro definiu um nível salarial que abrange todos os funcionários da Prefeitura, num leque de 1 para 6 salários, enquanto na URSS, 63 anos após a Revolução, o leque é de 1 para 12 salários e no Brasil de Figueiredo e Delfim o leque é de 1 para 100 salários, a diferença entre o menor e o maior salário.

Para agilizar a prática administrativa municipal, criou-se a figura do “intendente de distrito”, uma espécie de subprefeito da cidade que atende o público diretamente.

VIVA SEU BAIRRO é a base da atuação das Associações de Moradores de Bairros; logicamente, são os bairros mais pobres — onde falta calçamento, luz e água — que criam Associações, pois os bairros ricos já nascem urbanizados na planta.

As Associações de Bairros, Associações de Pais e Professores das escolas municipais aprendem como prevenir doenças, até a confeccionar cestas. A Associação de Pais de Alunos assume a construção escolar e a ampliação das escolas existentes.

O Núcleo Agrícola é o equivalente rural da Associação de Bairros, ele funciona em torno da utilização do trator da prefeitura. Só pertence ao Núcleo quem tem menos de 300 hectares de terra: o cidadão recebe o trator, distribui o serviço, paga o tratorista, a hora/trabalho, o óleo diesel. A hora/trabalho do trator a Prefeitura fixa em Cr$ 90,00, o que é menos de um terço do preço em vigor no mercado. Com assessoria de técnicos da equipe Dirceu Carneiro a área arável de terra em Lages foi quintuplicada.

A Habitação Popular é outro capítulo dessa epopéia. Ela se constitui num dos maiores problemas do mundo subdesenvolvido, eis que, Relatório da ONU mostra que até o ano 2000 precisarão ser construídas casas no montante às existentes atualmente e 80% dessas necessidades estão nas áreas subdesenvolvidas do globo.

A ocupação capitalista do espaço tende a jogar cada vez mais o povo fora da cidade, tende a confiná-lo em favelas, obriga-o a fixar moradia sob os viadutos e pontes de São Paulo, Rio de Janeiro ou Porto Alegre. A favela nada mais é do que a forma moderna do cortiço em ritmo de Pátria Grande. No início do século, em São Paulo e Rio de Janeiro, paralelamente ao arranco industrial dava-se o confinamento do povo em cortiços, substituídos pouco a pouco por vilas operárias, após as operações de saneamento e desinfecção. As operações arrasa-cortiço foram as precursoras das atuais operações de “desfavelamento” praticadas pelos administradores a serviço do capital.

Diferentemente dos esquemas expoliativos à economia popular do BNH, que só favorecem a rotação do capital das grandes empreiteiras e construtoras, o Projeto Lageano de Habitação é construído pela Força do Povo com assessoria da equipe Dirceu Carneiro.

O Projeto Lageano de Habitação possui um “Banco de Materiais” constituído de tijolos, telhas e madeiras oriundas de demolições urbanas, não reaproveitados. A argila é transformada em tijolo e telhas numa olaria experimental da Prefeitura, movida a gasogênio. Os caibros de pinho serrado — fundamentais na construção da casa — que custam Cr$ 350,00 o metro, foram substituídos pela madeira escura denominada bracatinga, que custa Cr$ 15,00 o metro. O cimento só é usado para rebocar paredes, as pedras e tijolos são assentados sobre argamassa de argila, como faziam os antigos.

Diferentemente do resto do país, onde os que detêm poder e não liderança beneficiam-se das “mordomias” palacianas, em Lages paga-se uma “taxa de liderança” — ser líder implica mais encargos ante a comunidade; a taxa consiste num dia de trabalho voluntário dos líderes em benefício da comunidade.

Em nível de associação, os moradores elegem a direção da Associação dos Bairros, as meninas elegem as diretoras de seu clube e os meninos os que dirigem a área esportiva.

Retomando o trabalho como elemento fundante da vida social, em Lages desenvolve-se a cultura de legumes e frutas em fundos de quintal; nas escolas cultivam-se hortas; educação e trabalho andam juntos; é a realização prática dos grandes ideários dos educadores como Rousseau, Pistrak, Celestin Freinet e Francisco Ferrer.

Há hortas coletivas e o chamado “Hortão Comunitário”, utiliza adubos orgânicos no lugar dos petroquímicos que estragam o solo e implicam pagamento de royalties às multinacionais. A fruticultura é desenvolvida, assim como a piscicultura com a criação de trutas, carpas, rãs, além de coelhos. No Hortão há lotes familiares de 500 m2: durante a semana trabalham crianças e mulheres e os homens nos fins de semana. Cultivam batatas, cenouras, couves, repolho, rabanetes para consumo e alho e cebola para venda. Velhos, viúvas, mulheres abandonadas trabalham no Hortão recebendo ajuda de custo de Cr$ 1.000,00 mensais, dentro das possibilidades de uma Prefeitura pobre.

O fruticultor aduba a terra com adubo orgânico, com capim picado, regado com bactérias compradas de indústria ecológicas, isso custa quinze vezes menos que o adubo petroquímico.

Há 100 escolas municipais, o ensino enfatiza o concreto, parte das “situações de vida” e realça o comunitário no lugar da competição. Os alunos aprendem as três operações medindo a dimensão da casa, aprendem a noção de teoria dos conjuntos através de objetos e carteiras escolares, princípios de física e química através do fogão da casa, além disso, vinculam o saber ao trabalho, cuidam das hortas das escolas.

Há uma política de saúde, onde os Postos de Saúde funcionam na forma de mutirão. A política sanitária consiste em prevenir do que curar, isso numa cidade que possuía uma taxa de mortalidade de 150 para cada 1.000 habitantes nascidos vivos, o dobro da taxa de mortalidade de São Paulo. As Associações de Bairro constroem os Postos de Saúde, realizam atendimento de emergência, diagnosticam doenças simples e ocupam-se dos partos.

Constroem fossas, esterilizam a água, desenvolvem uma medicina com base em ervas, que aliás tem aproveitamento universal, haja visto a utilização do quinino dos índios mexicanos e do curare dos indígenas brasileiros. Há o estímulo às artes plásticas locais, aos trovadores; há um Centro de Cultura Negra no Bairro de Brusque e há um teatro de bonecos para reforço de campanhas escolares. É tudo isso que Márcio Moreira Alves mostra em A Força do Povo, que afirma a capacidade construtiva popular e é a negação de sua pretensa “nulidade”, tão alardeada pelos donos do poder, o antipovo.